Livro

                                            ENTRESSONHOS

                                                                                  LÓLA PRATA






É difícil suportar
o canto de uma araponga;
ela estrangula o pensar
enquanto o som se delonga.

Quanto mais eu me aproximo
do homem que penso amar,
tanto mais eu desarrimo
do seu modo de pensar.

Edifiquei os altares
para a meu Deus adorar,
justamente nos lugares
onde aprendi a chorar.

Canto e rezo, rezo e canto
em constante louvação
pedindo a Deus um recanto
dentro do teu coração.

Depois de uma feia briga,
não sei se fico ou se parto...
e a mágoa intensa se abriga
no escurinho do meu quarto.

É romântico demais
sentir a chuva caindo
enquanto escrevo haicais,
namorando o céu infindo.

Não entendo a atitude
dessa alma que vive em mim:
florescendo em juventude,
estando o corpo no fim.

Brigamos... você partiu
por razões que não sei bem...
e numa resposta hostil,
meu silêncio disse amém.

Para não colher castigo,
para ser de Deus, apoio,
serei semente de trigo,
nunca semente de joio.

Olhando o homem que amo,
dando-me amor a granel,
emocionada, proclamo:
- Tenho uma amostra de céu!

Quem tem a alma repleta
dos sentimentos mais nobres,
ama o silêncio do asceta,
dedica a vida aos mais pobres.

- Tem cinco pães e dois peixes!
Ordenou, pois, o Rabi:
- Morrer de fome não deixes,
o povo que eu escolhi.

Estou salvo! Vou ao céu,
pois o Rei que me conduz
pagou por um pobre réu,
o grande preço da cruz!

Quando meu corpo se dobra
em louvor ao Criador,
sinto que a alma recobra
seu primitivo fulgor.

Eu, humilde poemeto
de palavras contrafeitas,
te invejo, lindo soneto
com rimas das mais perfeitas.

Como é intensa a balbúrdia
em casa de adolescente;
nessa idade estapafúrdia
não há silêncio que aguente.

Duas araras conversam
sacudindo suas cores
sem saber que assim, dispersam
a atenção dos trovadores.

Afasta a roupa o adulto
e exibe com galhardia
a cicatriz (ou seu vulto)
de uma feliz cirurgia.

Na praia dos teus encantos
o amor vai se transformando
em voláteis versos tantos,
que a areia vai anotando.

Vem a noite em soledade,
devagar, nos invadindo...
Há coisa que desagrade 
mais do que estrelas dormindo?

...“e soltando um grande grito”,
nosso Senhor se entregou
para abrir-nos o infinito
por tanto que nos amou!

Saudade, saudade grande,
Renata e Pedro, queridos,
e não há nada que abrande
os meus maternos gemidos.

Fico banhada em suor
e os ombros logo se encolhem
quando as agruras da dor
nas lembranças se recolhem.

Ora, se o corpo reclama
e a mente está distraída,
joga o cansaço na cama;
tens validade vencida!

Deixam pegadas formosas
nos caminhos onde andaram,
duas vidas amorosas
em cujos “sim” se doaram.

A terra-mãe, Portugal,
da mãe-gentil, o Brasil,
com o amor sempre atual,
são irmãs que o mar uniu.

O que na vida se sofre,
em Deus devemos guardar;
não precisa pôr em cofre
nem em livro registrar.