solto os pés do chão...
subo em ofertório
pelas alças de quimeras...
porém
a realidade chã e severa
clama a mim, poeta:
- o que você espera?
somente
sussurro a responder:
- busco o estilo nobre
da arte de viver...
contudo
escrevo, e nessa lavra
prossigo a subida
no doce labor da palavra
todavia
na vida prática e rude
o vate se debate
até o dia do ataúde...
com meu par, voar, voar...
coroarmo-nos de arco-íris
brincar de deslizar
e despejar o dourado solar...
na fantasia de sete cores,
resplandecermos na alvura
na pureza do branco...
Deixei de ser romancista
cansei de ser escrivã
e como qualquer santista
fui à praia, folgazã.
Com baixos de preguicista
e os altos de ermitã,
tudo me disse: - Desista,
vida não é tobogã.
Resolvi ser uma artista
mas encontrei um galã
que não valeu a conquista
e transformou-me em vilã.
De modo muito egoísta,
sem pensar no novo afã,
pra fotos numa revista
tirei fácil, o sutiã.
Por um tempo fui farrista
com jeito de cortesã...
e nesse agir modernista,
envergonhei o meu clã.
Isso embaçou minha vista
e me deixou muito chã
quando, em visão surrealista,
senti minh'alma, anciã.
De atitude pessimista,
perdida sobre o divã,
confessei ao analista
que eu descria do amanhã.
Era alguém idealista
que me tratou como irmã
e com afeto altruísta
fez-me sentir cidadã.
Dessa maneira humanista,
eu diria, até cristã,
do Bem recebi a pista
e assim, voltei a ser sã.
dispensa as folhas...
o tempo agride...
a ampulheta se esgota...
e o velho entra
em espiral ascendente
e descendente...
Sou
arandela de alto custo
com detalhes em ébano
embutida no biombo discreto
de tua pele sensível.
Acende-me...
Brilharei!
Martírio
Quem dá a vida por seus irmãos, não é santo?
Então, falemos de sóror Joana Angélica,
a abadessa de um convento. Amou tanto
que enfrentou, desarmada, a lusa turba bélica.
Arrombaram portas, arrasaram altares,
inconformados com o grito de independência,
depois de calarem com a baioneta, os pulsares
de um coração heróico, contrário à violência.
Foi na Lapa, em Salvador, Bahia, o martírio
da mulher que as religiosas protegia,
ciente de que lá no céu se acendia o círio.
No Brasil, lutava-se pela liberdade
enquanto, com sangue, a freira idosa partia
para enfim, gozar da eterna felicidade.
Joana Angélica - 1761 - 1823
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